A UX é individual e social ao mesmo tempo

Por Davi Denardi
em

A experiência do usuário envolve tudo o que se tem de mais subjetivo em relação a uma pessoa e outro “ente”. Vou falar aqui de “ente” porque esse termo diz respeito a qualquer outra coisa, o que é interessante para a discussão porque podemos ter experiências com pessoas, produtos, marcas, lugares, e basicamente qualquer coisa.

Essas experiências têm ao menos dois grandes momentos, a experiência interna, subjetiva, individual; e a experiência social, coletiva, construída por meio de relações.

A UX é absolutamente individual

Como ela trata de subjetividade, a experiência do usuário é absolutamente individual, é impossível saber de fato o que uma pessoa está experienciando. Ela envolve experiências anteriores com o mesmo fato ou com um fato similar. Se uma aranha me picou em algum momento e isso trouxe uma experiência ruim (provavelmente foi) então eu vou ter uma experiência ruim quando encontrar outra aranha, e isso pode contaminar a percepção que se tem de outros entes mesmo eu nunca ter tido uma experiência direta com eles.

Sim, uma aranha gigante de pelúcia, você encara?

A partir da experiência com a aranha eu posso criar um receio ou medo de outros insetos com patas, como gafanhotos, grilos, e etc, e pode migrar também para coisas inofensivas, como uma aranha de pelúcia.

O mesmo acontece com produtos e marcas, se eu tive uma experiência ruim com uma marca – principalmente as primeiras experiências – eu provavelmente vou criar um ranço com ela, e para reverter isso, assim como “curar” medo de aranhas, vai levar muito tempo e esforço.

Da mesma forma, mesmo não tendo entrado em contato diretamente com uma marca ou produto, as pessoas podem ter resistência em função de outras experiências com outras marcas ou produtos. Quem aqui nunca disse “não quero mais saber de [preencha com uma comida exótica]” depois de ter experimentado apenas uma vez?

Ela também é o resultado do que achamos sobre um tema. Para algumas pessoas, por exemplo, a linguagem neutra é uma necessidade, para outras uma bobagem, e isso vai influenciar a forma como elas percebem os textos e falas de outras pessoas.

Crenças pessoais também afetam a experiência individual. Um ateu tem uma resposta muito diferente para um “graças a Deus” do que um católico.

Por isso o termo Designer UX é polêmico, porque você de fato não consegue projetar (to design em inglês) uma experiência de fato, o que conseguimos é apenas propor uma experiência, e não temos como ter certeza de que ela vai resultar no que esperamos.

A UX é coletiva

Parece paradoxal, eu sei. Mas as experiências também são coletivas, sociais. Nesse sentido é importante trazer outro detalhe, a experiência antecipada.

Uma experiência é o resultado de todas nossas memórias.

Como acho que deu para perceber, uma experiência é o resultado de outras experiências, mesmo as que não tivemos, então boa parte do que experienciamos é fruto dos contatos indiretos, com outras pessoas, marcas, anúncios e etc. Se um amigo nosso diz que um determinado produto é muito bom, esse produto passa a ganhar pontos na minha mente e quando eu for experimentá-lo ele vai ser contaminado por essa expectativa.

Isso pode ser bom ou ruim, pelo lado bom eu vou estar propenso a experimentar, afinal meu amigo disse que é bom, e isso é muito importante para as marcas. Vários estudos indicam que o “boca a boca” continua ocupando boa parte (ou até a maior parte) das decisões de compra.

Porém, um excesso de expectativa pode trazer uma experiência não tão boa. Eu tenho uma amiga que é muito expressiva e expansiva, e já fui ver vários filmes por indicação dela, o problema é que se ela gosta um poquinho do filme ela diz que ele é maravilhoso, fantástico, fenomenal! Quando ela indicava um filme eu geralmente ia ao cinema esperando um filme que ganharia todos os Oscars, chegando lá os filmes geralmente eram muito bons e bem acima da média. Mas eu estava esperando mais, algo épico, único, fantástico, mas como minha expectativa estava “lá em cima” a experiência em si não foi boa.

Então o que os grupos em que convivemos influencia de forma bem decisiva a forma como experimentamos o mundo, sim, o mundo, não só produtos, serviços, mas tudo.

Outro fator relevante para a experiência do usuário é a imagem da marca e o marketing envolvido nela. Muito antes de usarmos um produto somos bombardeados por anúncios, ações de marca, patrocínios, posicionamento de marca em programas de TV, entre outras ações.

Sim, a maior parte do que sabemos do mundo é mediado.

Além da expectativa essas ações ajudam a criar um posicionamento de marca, um espaço específico em nossas mentes relacionado a ela. O posicionamento é como uma caixa de conceitos que temos em nossa mente, pode ser “feminino”, “masculino”, “moderno”, “tradicional” e assim por diante. E a partir do que conhecemos das marcas elas vão ocupar um ou outro desses espaços.

Então uma marca pode ser feminina e moderna, outra, masculina e tradicional e isso tem um efeito importante na experiência que vamos ter com produtos e serviços. Se um produto sempre diz que é sustentável (uma das caixinhas) e de repente eu fico sabendo que ele polui pra caramba, então a experiência com essa marca/produto passa a mudar.

Quer um exemplo? A autora J. K. Rowling, autora da saga harry Potter, recentemente teve falas consideradas transfóbicas e também publicou um livro em que uma personagem transfóbica é perseguida. Isso gerou revolta em [eu imagino que grande] parte dos seus leitores. Essas novas falas e o novo livro acabaram por mudar a experiência que os seus leitores e fãs têm da saga.

Exemplo de mudança na experiência com a marca Harry Potter em função do posicionamento da sua autora.

Isso porque antes ela tinha um posicionamento, estava em uma caixinha mental mais ligada à magia, agora ela está se movendo (ou se moveu) para outra.

Esses são apenas alguns exemplos para discutir que uma experiência pode mudar ao longo do tempo dependendo das mudanças sociais, e isso precisa entrar na conta de qualquer um que queira pensar em propor experiências.

Conclusão

A experiência do usuário é um problema bem complexo e que não se resume a uma interface bem desenhada com as últimas tecnologias do momento, ela é o resultado de um trabalho feito à várias mãos e uma “escorregada” em uma área afeta todas as outras em termos em experiência, e mesmo a experiência mais bem proposta pode não ter o efeito desejado dependendo das preferências pessoais das pessoas ou das dinâmicas sociais do mundo em que vivemos.

Por isso, uma das preocupações atuais do design é a pesquisa da experiência do usuário, ou UX Research. Se quiser saber mais sobre o tema é só colar nessa postagem.

           
sobre o autor Davi Denardi Davi Denardi é pesquisador de design editorial e game design, e professor dos cursos de Design Gráfico, Design Digital e Design de Jogos da Universidade Federal de Pelotas.

Comentários

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Newsletter

    * Campos obigatórios

    Só enviamos e-mails de conteúdos inéditos! ;)

    Outros textos

    Game Design Atalhos indispensáveis do Blender
    Design Editorial A experiência de leitura de revistas
    Game Design Os 3 principais tipos de modelagem 3D
    Game Design O que é modelagem 3D?
    Design Gráfico Os 7 passos de qualquer projeto gráfico